quarta-feira, 16 de junho de 2010

Boneca de Porcelana

Estávamos a rir há mais de três horas. Era sempre assim quando estávamos juntos. Era impossível não nos rirmos um com o outro, mas era principalmente ele que animava a conversa. Contava-me as suas mais aventuras mais loucas, fazia-me sorrir só por se mexer, só por estar ali. Era especial, era tão diferente. Costumava chamar-lhe nomes como “tolo”, “doido”, “desvairado”, “desavergonhado”. Na verdade, ele era tudo isso, e isso fazia-me feliz, não absolutamente completa, mas feliz. Só por estar ali, só por mexer, só por respirar.
Estávamos sentados debaixo de uma árvore centenária que tinha no seu jardim por detrás da casa, ao lado da dele, estava a minha e o que a separava era um pequeno muro que aproveitávamos sempre para nos sentar.
Aliás, costumávamos dizer que aquela era a nossa árvore por estar enraizada no seu lado do território, mas por os seus ramos e as longas folhas se esgueirarem para a minha propriedade.
Conversávamos ali durante longas horas nas férias de Verão, principalmente nos dias de maior calor; porém, também íamos para lá mesmo quando fazia imenso frio. Tínhamos de estar lá e juntos. Ríamos, sorríamos, corríamos pelo largo jardim, deitávamo-nos no chão nas noites estreladas e de lua cheia, contávamos as estrelas e pedíamos sonhos, cantávamos e ele tocava guitarra, escrevíamos canções sobre a mais bela amizade do mundo e, no fundo, era uma dedicatória que construíamos um para o outro.
- … Ouh, mas tu nem imaginas a lata da gaja! – Era mais uma das mil histórias das mil “espécie-de-namoradas” como eu gostava de designar, que me contava quando estávamos juntos. – Ela a chorar e a dizer que me amava bué e tal, e depois, de um momento para o outro começa a ameaçar-me que vai chamar o avô para me bater. – Nova gargalhada sonora. – E eu começo-me a rir mesmo na cara dela, estás a ver? Do tipo “Oi?!”. Olha, foi demais. – Riu de novo; ri de novo. Depois, serenei.
Ele também parou de rir de repente. Mirou-me estranhando a minha atitude, compreendo que fosse esquisito para ele não perceber qualquer atitude minha, quando ele era a pessoa que melhor me conhecia no mundo.
Era raríssimo perguntar-me “O que foi?” ou “O que se passa contigo?”, não era necessário. Se havia alguém que, por vezes, até me compreendia melhor que eu mesma, era ele. No entanto, ao ver-me levantar-me de junto dele para me sentar no muro que dividia as nossas casas, não pôde deixar de me perguntar o que se passava.
Mirei-o sem lhe responder, ele odiava tanto quando eu fazia isso, no entanto, não me sentia capaz de lhe contestar.
Ele aproximou-se de mim e colocou-se à minha frente, colocou uma mão no meu ombro, deixando-a, depois, descer um pouco pelo braço abaixo. Eu entreabri um pouco as pernas para deixá-lo aproximar-se um pouco mais e ficar completamente junto de mim.
- Diz lá, Annie! – Insistiu.
Puxei-o pela larga camisola até mais junto de mim e deixei que me abraçasse. Colocou as mãos nas minhas costas e deixou-me que encostasse a cabeça ao seu peito. Afagou-me o cabelo e beijou-me a cabeça.
Aquela situação não era absolutamente estranha ou nova, mas, apesar de tudo, não era o que mais gostava de fazer comigo. Preferia rir e contar-me histórias, do que estar calado e abraçar-me e ser envolvido por um silêncio constrangedor, onde as palavras sinceras só magoariam...
Era como uma irmã para ele, como a melhor das melhores amigas, costumava dizer que eu era a boneca de porcelana dele e que jamais deixaria que alguém me quebrasse. Jamais deixaria que me fizessem a mim o que ele fazia a tantas…
E eu continuava a querer ser mais do que a irmã, continuar a ser a boneca de porcelana, mas correr o risco de ser quebrada por ele.
Na verdade, havia muitas partes de mim que iam quebrando com o tempo, mas que eu tentava unir com aqueles sorrisos e aqueles momentos.
Tom não descobriria o que é o amor tão cedo, era ainda demasiado tolo, doido, desvairado e desavergonhado para isso.
Contudo, eu sabia que ele não me dava mais por se ter proibido a ele mesmo, por me ter prometido um dia que jamais permitiria que alguém me quebrasse. Se fosse ele, teria de se auto-magoar, e ele não pretendia isso.
- Acreditas que sou capaz de amar alguém? – Indagou-me, largando-me para fixar os meus olhos, quebrando o tal silêncio mortífero. Fora algo imprevisível.
- Claro que sim. – Murmurei. – Amas a tua família, os teus amigos, até a mim me amas, Tommy. Afinal, sou tua irmã e tua amiga… – Pronunciei muito a medo, tentando esboçar um leve sorriso que em pouco se desvaneceu.
- Pois… - reflectiu. – Pois amo… Por essa perspectiva, amo-te mais do que tudo o resto. – Riu, mais uma vez; era impossível não o fazer. Depois serenou; era uma boa característica dele. - Mas eu estava a falar de outro tipo de amor…
- Qual? – Fiz-me desentendida, embora percebendo na perfeição o que queria dizer.
- Annie! O amor! Então? Entre homem e mulher…
- Ah, sim. Que tem mesmo?
Suspirou e mirou o chão. Depois, voltou à carga. Colocou as suas mãos na minha anca para me manter mais segura e voltou a mirar-me nos olhos...
- Acreditas que possa amar alguém assim?
Não consegui arranjar palavras para lhe responder, pelo que me fiquei apenas por um «não sei», algo reticente.
Nem ele sabia, não podia saber, não podia confundir as coisas e quebrar a sua promessa.
Envolveu-me mais naquele abraço e, lentamente, e com medo de fragmentar algo demasiado sensível, tocou com os seus lábios nos meus…
Intimamente, senti algo a romper por dentro, por outro lado, sentia uma ferida sarar.

Ânia. EOTH

1 comentário:

  1. Sempre que leio esta OS adoro!! :3
    Oh Ânia.. Devias postar a Too Much Love ;D
    ilu <3

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