segunda-feira, 16 de agosto de 2010

[16]


O que é que aquele “Mãe?” quereria dizer?

- Ry, podes ir para o quarto só um bocadinho? – perguntou dirigindo-se ao filho, deixando Tom ainda mais boquiaberto.
- O que é que tu estavas a fazer, mamã? – perguntou olhando Tom enquanto se agarrava às pernas de Beatriz.
- Eu depois explico-te, amor sim? – pousou-lhe a mão sobre os cabelos lisos e curtos. Ryan olhou Tom novamente e um sorriso abriu-se nos lábios do rapaz de 3 anos.
- Quem é? – perguntou olhando agora Beatriz. Ela virou-se e olhou Tom. Devia apresentá-los? Tom não fazia a mínima ideia do que se passava ali e Beatriz podia ver isso pela sua expressão confusa, mas o sorriso e o brilho no olhar de Ryan estavam a confundi-la.
- É o Tom. – disse por fim. Ryan aproximou-se lentamente de Tom, era tímido podia ver-se isso, mas parecia bastante à vontade com Tom, por isso Beatriz surpreendeu-se. Ryan odiava conhecer pessoas, cada vez que convidavam amigos para se juntarem ali em casa, Ryan tinha sempre medo de se aproximar de alguém e com Tom isso não aconteceu.
- Olá, Tom. Gostas do meu barco de pecinhas? – perguntou referindo-se à construção em lego que trazia consigo. Tom não se moveu nem emitiu palavra, não sabia simplesmente o que fazer, aquela criança era a versão pequenina de Beatriz, e isso deixava-o inseguro e sem saber o que fazer. Ele acabara de se declarar, de saber que era correspondido, e no final de contas ela tinha um filho sabe-se lá de quem! Mas em que mundo é que ele vivia?
- Rya… - Beatriz foi interrompida por Tom.
- É muito giro, Ryan tens jeito. – sorriu-lhe. Podia até não ter muito jeito com crianças mas sempre lhes achou piada, costumava ser visitado pelos primos e até brincar com eles, talvez se tratasse Ryan como um primo seu aquela parte do filme nem ficaria mal.
- Obrigada. – o pequeno sorriu-lhe e correu até Beatriz novamente, abraçando as suas pernas.
- Voltas ao quarto? – ela perguntou-lhe e Ryan acenou afirmativamente deixando o compartimento.
Beatriz suspirou e sentou-se no sofá com a cara enterrada nas mãos. Parecia que o mundo lhe tinha caído em cima, que qualquer coisa que tivera feito noutra vida a estava a amaldiçoar agora. Não queria elevar os olhos e observar Tom, não queria descobrir qual era a expressão que ele carregava no rosto.
Tom olhou-a, estava desesperada e, se não se enganava, estava absolutamente perdida nos acontecimentos passados.
- Desculpa. – sussurrou.
- Quem é o Ryan, Bea? – perguntou calmamente, iria controlar as incertezas, iria controlar todas as perguntas sem jeito nenhum que o tinham atravessado, iria, apenas, deixá-la contar-lhe que raio de episódio era aquele.
- O Ryan é mesmo meu filho… quando te conheci disse-te que era de um amigo, certo? – Tom acenou afirmativamente e ela inspirou fundo. – Se quiseres desistir aqui tudo bem, eu compreendo… - começou.
- Não! – Tom interrompeu-a. – Eu não quero desistir de ti, eu não aguentava se desistisse de ti. – olhou-a seriamente nos olhos agarrando-lhe a face entre as mãos. – Eu quero ouvir o que tens para me contar. – sorriu-lhe e beijou-lhe levemente os lábios.
- Tu és demais, sabias? – encostou a testa à dele.
- Claro que sabia. – sorriu-lhe fazendo-a rir-se. – Como é que o Ryan apareceu na tua vida? Porque é que trabalhas no Magnólia? – perguntou puxando-a para o seu peito, abraçando-a.
- Tinha 17 anos quando cheguei ao Magnólia à procura de trabalho… - iria contar-lhe toda a sua história, com todos os pormenores, com todas as palavras que ainda lhe queimavam o coração cada vez que as proferia ou que se lembrava, simplesmente, delas. Contou a Tom como ficara órfã, como encontrou Sofia, como ela lhe cedeu a casa e como estaria grata àquela rapariga para toda a vida; contou-lhe da panca que Charles tinha por ela e da violação da qual Ryan tinha sido fruto. Falou-lhe das chantagens que fazia com ele, disse-lhe porquês das mesmas e respondeu a tudo aquilo que ele perguntava quando não percebia ou quando a curiosidade falava mais alto.
- Tu não mereces… - balbuciou no final da história. Estava redondamente enganado quando julgou que aquilo era um argumento de filme, pois não era. Aquilo era a vida de alguém contada na primeira pessoa, por alguém que a vivera demasiado intensamente.
Abraçou-a mais quando sentiu o seu pescoço molhado das lágrimas que, ocasionalmente, Beatriz largava.
- Mas eu estou aqui agora e não vou deixar que ninguém te toque… - movimentou-se de maneira a conseguir fitar os olhos negros que, cada vez que se dirigiam a si, o engoliam para um mundo com mais cores que o arco-íris. - … vamos tirar-te daquele clube. – prometeu.
- Como? – os seus olhos preocupados e cravejados de lágrimas cristalinas feriam Tom.
- Não sei, mas vamos conseguir.
- Eles não vão deixar… o negócio acaba se eu sair dali. – limpou as lágrimas afastando o corpo de Tom, olhando-o.
- Não quero saber. – respondeu confiante. – Eles têm tanta gente a trabalhar lá, por isso bem podem arranjar outra!
- Tom… - respirou fundo - … eu sou aquilo que mantém o clube aberto, se eu saio eles fecham e se isso acontece de certeza que o Charles não me vai perdoar… e à conta disso não sei se poderá acontecer alguma ao Ryan. – explicou-lhe.
- Mas ele disse-te que… - foi interrompido.
- Isso não quer dizer nada. – cortou-o referindo-se à chantagem.
- Tu podes dizer a toda a gente o que ele te fez! – levantou-se. Não percebia qual era o foco de tudo aquilo. Se Beatriz deixasse o clube ele poderia querer o Ryan como pai legítimo mas isso implicaria dizer a toda a gente que ele era, de facto, o pai. E não só, Beatriz poderia falar da violação! A sério, Tom não percebia porque raio ela não aceitava.
- Achas que acreditavam? Era a minha palavra contra a dele! – olhou-o inquieto a passear pela sala com uma mão na cintura e outra na testa, parecia tentar arranjar ideias.
- Porquê?!
- Tom… - levantou-se e dirigiu-se a ele, abraçando-o pela cintura - … eu não tenho saída, por isso te digo que se quiseres desist…
- Não! Outra vez isso não, Beatriz! – falou sério e de forma arrepiante. – Nem que tenha que te raptar, tu vais sair desse clube! – sorriu-lhe. Beatriz retribuiu beijando.
- Raptar?
- Olha que não estou a brincar. – abanou a cabeça negativamente. – Se for preciso faço-o. – beijou-a novamente, estava a saber-lhe bem tê-la nos seus braços.
- Isso até soa bem. - Beatriz enfiou as mãos dentro da t-shirt de Tom, pelas costas, arranhando-o. Sentiu-o suspirar contra os seus lábios e levar as mãos ao seu rabo por baixo do curto vestido.
- Espera até logo à noite. – riu-se ao quebrar o beijo. – Não vamos fazer nada de promíscuo aqui com o iminente perigo de entrar alguém pela sala a chamar-te de mãe, han? – Beatriz sorriu-lhe. Ele tinha atracado a ideia de Ryan ser seu filho demasiado bem.
- Estás a marcar um encontro? – perguntou.
- Estou. – sorriu-lhe – Um quarto de Hotel e nós, parece-te bem?
- Parece-me perfeito! – beijou-o, sentando-se com ele no sofá olhando a televisão que passava qualquer coisa sem interesse algum, mas sejamos racionais, eles não se importavam nada com isso. Os lábios e o corpo do outro tinham muito mais interesse.

(…)

Ainda estava atordoado com as notícias que recebera. Não esperava chegar a casa de Beatriz e deparar-se com uma história de vida daquelas. Todo o percurso que ela já tivera percorrido até chegar aos seus braços naquela louca noite no Magnólia, nunca a denunciavam numa história com tantas pontas soltas como esta tinha. Não sabia o que pensar, o que fazer, o que esperar… começava a ferver por dentro ao pensar no tal Charles e naquilo que ele a fizera passar. Violá-la e rejeitar o filho? Obrigá-la a despir-se e a vender o corpo todas as noites para dezenas de homens esfomeados? Fazê-la sentir-se apenas mais um bocado de carne? Algo sem sentimentos?
Tom ponderou. Também ele já o tivera feito e isso é certo, mas era incapaz de ter a atitude que aquele cretino tinha tido. E depois de a conhecer melhor e de saber a excelente pessoa que ela era, muito menos.

Entrou em casa e descansou o corpo sobre o sofá.
- ÉS TU TOM? – Bill gritou do andar de cima.
- Que eu saiba sou o único a ter a chave para além de ti. – respondeu-lhe assim que o irmão chegou ao pé dele.
- Sei lá, podia ser um assaltante ou uma fã, nunca devemos confiar! – disse-lhe muito responsável e preocupado.
- Está bem, está. – Tom sorriu-lhe em troça.
- Então? – perguntou sentando-se ao lado dele que nem velha cusca. – Conta!
- Não há nada para contar! – exclamou.
- Mau, não me digas que foi só sexo? – riu-se.
- Não houve nada disso.
- Ai tu estás doente e a gozar comigo certamente! – disse-lhe descaindo o queixo em total espanto.
- Não, mas tenho uma história de filme para te contar. – disse-lhe encostando a cabeça para trás.
- Que se passou? – virou-se de lado e mirou o irmão.
- A Beatriz tem um filho do director do Magnólia e trabalha lá por obrigação. – começou, fazendo Bill engasgar-se e tentar argumentar mas Tom travou-o. – Os pais e a irmã de três anos morreram num acidente de viação quando os pais decidiram ir dar uma lição ao namorado dela que lhe batia. Se não fosse a Sofia a dar-lhe casa assim que ela começou a trabalhar no clube ela certamente teria que lá dormir e a sua vida nunca se tinha composto.
- Wow. – Bill estava chocado. – Ela já passou por isso tudo?
- Sim.
- Ela vive com a tal Sofia e o puto?
- Sim, ah e o Ryan é fruto de uma violação por parte do outro cretino, não foi de livre vontade. – cerrou os punhos. – E diz que aquela criança nunca na vida será filha dele. – Bill descaiu novamente o queixo.
- Meu-Deus. – soletrou. – Isso é de loucos.
- Completamente.
- Mas como é que ficaram as coisas entre vocês? – perguntou interessado no futuro do irmão.
- Estamos juntos. – sorriu, um sorriso estúpido próprio do sentimento e altamente feliz.
- Juntos? – perguntou. – Namoram ou não? Juntos para mim não quer dizer nada! – riu-se.
- Estamos juntos ponto. – disse travando ali a conversa, a pergunta tinha sido um “Ficas comigo?” e a resposta um “Fico” por isso era isso que estavam: juntos.

- Parece-me justo. – disse Bill.
- Sim. Bem, eu combinei com ela uma noite em grande por isso, maninho, se me dás licença tenho mais que fazer. – disse levantando-se do sofá encaminhando-se ao quarto.
- Ui! E vou ter que vos ouvir aos berros? – gozou.
- Não, parvo. Vamos para um hotel, assim também não incomodamos a Sofia.
- E o puto?
- Combinámos para depois de ele adormecer. – piscou-lhe o olho.
- Estou mesmo a ver-te papá, Tom, que fofinho! – riu-se.
- Cala-te pá! – virou costas e subiu as escadas.

*

- Tu conta-me tudo! – Sofia tinha-se levantado pouco tempo depois de ouvir a porta da rua bater, anunciando que Tom já tivera saído, como tal foi-se sentar ao lado da amiga na sala à espera que ela lhe contasse tudo.
- Querias! – riu-se.
- Anda lá, como é já andas com ele ou não? – perguntou curiosa. A resposta tinha sido idêntica à que Tom tivera dado a Bill, até porque eles não combinaram nada mais. - E o Ryan? Como é que o Tom reagiu?
- Bem. Pelo brilho no olhar do Ry, adorou-o. Foi logo ter com ele e tudo! – sorriu.
- Isso quer dizer que eles se deram bem? – perguntou entusiasmada sabia como Ryan era com desconhecidos.
- Acho que sim. – encolheu os ombros.
- Vão sair?
- Vamos.
- Ainda bem, eu fico com o Ryan.
- Não é preciso! – sorriu.
- Quê não me digas que o levas?! – riu-se.
- Não é isso, totó. O Tom deu a ideia de sairmos depois de ele adormecer!
- Que querido! – disse numa voz fofinha.
- É. – deitou a cabeça para trás.
- Também quero um gajo assim. – imitou a rapariga.
- Tens sempre tantos… um por semana. – disse-lhe.
- Sim, mas isso é só para saciar as minhas necessidades biológicas. – riu-se. – Quero um homem a sério, pá! – olhou-a. Beatriz sorriu-lhe… um homem a sério. Bem, ao que lhe parecia o seu já tinha chegado, parecia era que não tinha sido na altura certa. – Um gajo fofinho e carinhoso…
- Ele há-de vir. – sorriu-lhe dando-lhe um encontrão amigável.

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